sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Tenho a Lua

Minha cama é uma imensidão
Nela cabe um mundo, mas está vazia
Vazia e fria e enorme e fria e vazia
Pensando bem, melhor assim
Tenho espaço pra esticar minhas pernas
Pra rolar, pra me virar como quiser
Se quiser até derrubo vinho nela

Derrubo em mim, no cachorro
Ele bebe vinho, mesmo, gosta também
Se quiser, derrubo a cama no chão
E venho pro chão e vinho no chão
Foda-se, foda-me também, aceito
O molhado sou eu, o quente também
Tudo em mim, de olho na Lua
Tenho eu, tenho a Lua, uma só
Logo o dia nasce e eu durmo
Durmo mesmo, longamente

Com a Lua a meus pés

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Rotina

A primeira coisa que faço
Ao acordar é olhar minha barriga
Ver o quanto ela vai crescendo, crescendo
Analisar o umbigo, os pentelhos
Eles sempre escapam da cueca
Sentir o acúmulo de gases da noite anterior
Depois, gosto de arrotar, arrotar
Tomar um grande gole d'água
Coçar os bagos, esticar as pernas
E peidar forte. Sim, bem forte
Não necessariamente nessa ordem, mas isso
Entende por que eu prefiro mandá-las sair às 5?

domingo, 23 de novembro de 2008

Esse alguém

Se eu fosse esse alguém
Que mora aqui agora
E não te rejeitasse
Alguém que só amasse, sem questionar
Como um tesouro, uma jóia rara
Um eterno rir sobre o tapete, no som
Ouvindo, cantando, sendo nós
No quintal, pulando, gritando
Se eu fosse esse alguém
Seria o que mora aqui agora
Doído, solo e rejeitado

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Viver pra achar

Viver pra achar
É uma busca ilimitada
E cheia de esperança

Morrer sem achar
É o limite da busca
E o fim da esperança

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Diálogo das 4h15

Diálogo das 4h15. Eu e ela. Só sobramos nós.

"Fica tudo meio turvo, não fica?", digo.
"É a bebida."
"Será? Pode ser coração batendo."
"Não, é a bebida, vai por mim."

Um gole, outro, uma volta e voltamos.

"Tô ficando tonta. Bebi demais."
"Não, é o coração", digo.
"Será? Pode ser bebida."
"Não, é o coração, vai por mim."

Um gole, outro, um beijo, outro, outro, quase caímos, voltamos.

"Tá tudo meio turvo", ela diz.
"É, tá tudo meio turvo."
"Nosso coração?"
"Não, é a bebida."

E caímos.

Estando sóbria

Eu desapareço por fraqueza,
Por não saber o que dizer,
Por deixar mostrar que no fundo eu estou
Carente e só e bêbado e muito
Então, confesso: admiro essa força
De desaparecer completamente
Estando sóbria e sã absoluta
Eu não agüentaria e isso
Só aumenta a admiração
Que eu sinto por você
Ok, dá um pouco de inveja
Por você se fingir tão bem de morta

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Cara, e agora?*

Cara, me diz, e agora?

Era você a referência velada
O adulto admirado, tipo ideal
Estilo moderno pra quem era novo
Cerveja, praia, coisa e tal

Cara, me diz, e agora?

Você foi dessa, meu irmão
Você seguiu, simples, o andor
Partiu, deixou um monte aqui
E a gente ainda queria calor

Mas cara, me diz, tá legal?

Porque eu acho que sim
Porque, sabe, eu também canso
E eu, quem sabe, por mim
Também pedia um descanso

Então, cara, meu guia
Minha espécie de chapa
Relaxa com essa sangria

Porque, cara, é verdade
Voa, voa, voa alto
Isso agora é liberdade

* Cada palavra, cada vírgula, cada tentativa de rima aqui é dedicada a Evaldo Apolonio. Muita saudade.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uma gigante interrogação

Porque gostava de correr na rua,
Sozinho, imaginando coisas
Porque fazia quilômetros
Ia ultrapassando as dunas
Como se fossem obstáculos
Ia cruzando com as gentes
Pensando o que cada uma fazia

Porque a cabeça já não parava
Ao meio-dia, sem proteção
Porque se era mesmo, então seria
Um suicídio lento e doloroso
Num mundo que virara massa
Podre, misto de sexo e de lixo
Uma gigante interrogação

Era aquela coisa amargurada de ficar pensando que se podia ter feito algo que nunca se fez. E era um puta sentimento de solidão. Um puta sentimento

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Me olha

Fico aqui pensando:
Onde devemos ir?
Até quando?
Quanto?
Será de nós?
Me olha
Me olha
Me olha de novo
Ninguém sabe
O mundo não tem jeito, tem?
Me olha
Me olha
Me olha e devora
Se eu sei?
Eu semprei tentei
Minha última taça
Minha última graça
Meu troféu
Sempre amanhece
Sempre anoitece depois
Hoje, meu mundo
Amanhã será seu?

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O corno de óculos

Estávamos no bar desde o final daquela tarde. E já era noite corrida. A mesa, grande, havia decidido jogar palitinhos. Coisa de boteco. Quem perdesse pagava uma dose. Tínhamos uma pilha de copos na mesa quando, naquela nuvem que o torpor alcoólico cria, vi aquela morena me olhando. Olhando nos olhos. Incrível: ela estava numa mesa minúscula com o namorado/marido flertando descaradamente. Puta. E que puta. Cutuquei Renan, meu amigo sentado à direita.

"Bicho, eu tô muito louco ou aquela putaça quer jogo?"
"Sim, ela quer."
"Mas que puta", falei, vidrado nos olhos dela.

Não passaram cinco minutos e ela, com um decote generoso,veio pedir cigarro a um dos rapazes da mesa. Acendeu, tragou, soltou a fumaça e disse que queria jogar. Sim, queria mesmo. E com o maridão bebericando um treco qualquer na mesa ao lado. Dispensável dizer que palitinho, o jogo mesmo, não teve mais. Eram nove caras cobiçando sem rodeios a mulher do próximo. Bem próximo. Ele dava um gole, olhava para baixo com aqueles óculos totalmente fora de moda. Corno. Quando ela, empolgada e excitada, era explítica demais em um comentário, o cornão limitava-se a dizer. "Não ligue, a Mila é brincalhona mesmo."

Alta madrugada, o jogo terminou. Aquele, ao menos. Todos foram juntos para a porta, inclusive a puta e o otário - que mancava um pouco e se apoiava nas cadeiras. Despedidas rápidas e ficamos eu, Renan - que passaria a noite em casa -, Mila e o corno.

"Você moram longe?", disse ela.
"Não, logo ali. Cinco minutos a pé", respondi.
"Ah, o que é isso. Tá muito tarde. Nós daremos carona pra vocês."
"Não precisa, vá com seu homem pra casa."
"Vou, mas antes levaremos vocês."

Ela dirigindo. Ele quieto do lado. Na porta da casa, rolou aquele papo de bebum, de saideira. E nós quatro entramos. Ok, ela era bem gostosa, isso contribuiu. Seriam mais alguns minutos de marturbação visual. Nas barbas do mané.

Fui pegar as cervejas e ela veio atrás. Disco do Chico rolando na sala, maior climão de fim de noite. Marido no sofá, falando sobre música com o Renan. E, na cozinha, ela esqueceu a bebida e começou a lamber meu pescoço, a se esfregar em mim.

"Louca, olha seu marido ali."
"Ele é um gênio, um professor universitário. Mas, que tipo de idiota é você que não percebeu que ele não enxerga direito. Não viu que ele anda se apoiando?"

Realmente, agora aqueles óculos estranhos faziam algum sentido, pensei, enquanto ela mexia nas minhas calças. Ficamos nesse joguinho sala/cozinha por mais uma hora. Até que não agüentei.

"Você vem para o quarto agora que eu vou te foder toda."
"Vai é? hum..."

Subimos. Na cama, quase nus, ela agarra meu pau, como se fosse um microfone: "Só uma coisa, neném, ninguém é bobo aqui. Meu marido tem de subir. Tem de estar aqui com a gente. Esse é o lance. Nosso lance."

Meu sangue subiu. Virei um soco nos beiços da putaça. Fiz com que ela se vestisse em dois segundos. Voei para a sala e, ofegante ainda, descarreguei. "Vocês dois, filhos da puta, vadios de merda. Pra puta que os pariu. Fora!" Renan, assustado, deu um gole na cerveja e viu o casal sair. Voltei à sala, abri uma gelada e troquei o som.

"Escapei, bicho..."
"O que houve?", disse Renan.
"Porra, o lance era eu comer a mulher do cara nas fuças dele. Ela disse que ele queria olhar tudo."
"Babaca! Devia ter comido."

Fechei o rosto. Fui para o quarto. Não queria brigar com meu amigo. Até porque ele nem havia percebido que o cornão para quase cego. E cego, meu caro, só enxerga passando a mão.