segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O corno de óculos

Estávamos no bar desde o final daquela tarde. E já era noite corrida. A mesa, grande, havia decidido jogar palitinhos. Coisa de boteco. Quem perdesse pagava uma dose. Tínhamos uma pilha de copos na mesa quando, naquela nuvem que o torpor alcoólico cria, vi aquela morena me olhando. Olhando nos olhos. Incrível: ela estava numa mesa minúscula com o namorado/marido flertando descaradamente. Puta. E que puta. Cutuquei Renan, meu amigo sentado à direita.

"Bicho, eu tô muito louco ou aquela putaça quer jogo?"
"Sim, ela quer."
"Mas que puta", falei, vidrado nos olhos dela.

Não passaram cinco minutos e ela, com um decote generoso,veio pedir cigarro a um dos rapazes da mesa. Acendeu, tragou, soltou a fumaça e disse que queria jogar. Sim, queria mesmo. E com o maridão bebericando um treco qualquer na mesa ao lado. Dispensável dizer que palitinho, o jogo mesmo, não teve mais. Eram nove caras cobiçando sem rodeios a mulher do próximo. Bem próximo. Ele dava um gole, olhava para baixo com aqueles óculos totalmente fora de moda. Corno. Quando ela, empolgada e excitada, era explítica demais em um comentário, o cornão limitava-se a dizer. "Não ligue, a Mila é brincalhona mesmo."

Alta madrugada, o jogo terminou. Aquele, ao menos. Todos foram juntos para a porta, inclusive a puta e o otário - que mancava um pouco e se apoiava nas cadeiras. Despedidas rápidas e ficamos eu, Renan - que passaria a noite em casa -, Mila e o corno.

"Você moram longe?", disse ela.
"Não, logo ali. Cinco minutos a pé", respondi.
"Ah, o que é isso. Tá muito tarde. Nós daremos carona pra vocês."
"Não precisa, vá com seu homem pra casa."
"Vou, mas antes levaremos vocês."

Ela dirigindo. Ele quieto do lado. Na porta da casa, rolou aquele papo de bebum, de saideira. E nós quatro entramos. Ok, ela era bem gostosa, isso contribuiu. Seriam mais alguns minutos de marturbação visual. Nas barbas do mané.

Fui pegar as cervejas e ela veio atrás. Disco do Chico rolando na sala, maior climão de fim de noite. Marido no sofá, falando sobre música com o Renan. E, na cozinha, ela esqueceu a bebida e começou a lamber meu pescoço, a se esfregar em mim.

"Louca, olha seu marido ali."
"Ele é um gênio, um professor universitário. Mas, que tipo de idiota é você que não percebeu que ele não enxerga direito. Não viu que ele anda se apoiando?"

Realmente, agora aqueles óculos estranhos faziam algum sentido, pensei, enquanto ela mexia nas minhas calças. Ficamos nesse joguinho sala/cozinha por mais uma hora. Até que não agüentei.

"Você vem para o quarto agora que eu vou te foder toda."
"Vai é? hum..."

Subimos. Na cama, quase nus, ela agarra meu pau, como se fosse um microfone: "Só uma coisa, neném, ninguém é bobo aqui. Meu marido tem de subir. Tem de estar aqui com a gente. Esse é o lance. Nosso lance."

Meu sangue subiu. Virei um soco nos beiços da putaça. Fiz com que ela se vestisse em dois segundos. Voei para a sala e, ofegante ainda, descarreguei. "Vocês dois, filhos da puta, vadios de merda. Pra puta que os pariu. Fora!" Renan, assustado, deu um gole na cerveja e viu o casal sair. Voltei à sala, abri uma gelada e troquei o som.

"Escapei, bicho..."
"O que houve?", disse Renan.
"Porra, o lance era eu comer a mulher do cara nas fuças dele. Ela disse que ele queria olhar tudo."
"Babaca! Devia ter comido."

Fechei o rosto. Fui para o quarto. Não queria brigar com meu amigo. Até porque ele nem havia percebido que o cornão para quase cego. E cego, meu caro, só enxerga passando a mão.

2 comentários:

Unknown disse...

o pior de tudo é que é verdade!!!

Anônimo disse...

Verdade??? Engraçado como as estórias surgem!!!! Belo conto!